Festa da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França

Local
Penha de França

Ação conjunta
Comunidade do Rosário

Em 2000, uma ação organizada por moradores da Penha e descendentes diretos das irmandades junto ao Movimento Cultural Penha começou a ser articulada a fim de retomar o espaço, as festas e as pesquisas sobre a Igreja do Rosário. 

17ª Festa do Rosário, 2018 | Fotos Érica Catarina
Uma comunidade se organiza

É desse movimento que se formou uma comissão de festas e posteriormente a Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, um grupo comunitário e autônomo, composto por moradores da Penha; representantes de grupos artísticos e de pesquisa; e integrantes de pastorais afros e de diferentes religiões de matriz africana, que regularmente participam das reuniões de trabalho e estão comprometidos com a promoção da cultura afro-brasileira no bairro e fora dele.

O grupo conta com a produção cultural e o suporte técnico e jurídico do Movimento Cultural Penha, entidade sem fins lucrativos atuante junto à comunidade desde o início de sua formação.

Festa de Preto

A fim de lembrar os antepassados que resistiram ao jugo da escravidão no Brasil e refletir sobre nossa história, a Comunidade do Rosário realiza desde 2002 a Festa da Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França todo mês de junho – 16/06 é a data oficial da construção da igreja no ano de 1802.

A festa possui várias fases de articulação, com reuniões para a escolha de temas, e a partir disso são produzidos liturgias, músicas, textos, pesquisas de imagens e referências para a estruturação da festa.
A programação dura cerca de um mês, começando com o levantamento do mastro, a coroação dos reis da festa, palestras, terços cantados e encontro de congadas e moçambiques, entre outros grupos da cultura popular tradicional.

São também produzidos shows musicais, apresentações teatrais e exposições. Ao final da festa, é feita a retirada do mastro. Todas as ações envolvem uma equipe de produção, comunicação/divulgação, e toda a curadoria de artistas é discutida com a comunidade.

Durante a festa, circulam cerca de 10 mil pessoas pelo bairro, dinamizando o comércio do centro histórico. O perfil dos participantes é, na maioria, de negras e pardas – são mulheres e grupos de famílias moradores da Penha e de outros bairros periféricos de São Paulo e outras cidades da região metropolitana.

A festa articula coletivos de empreendedorismo feminino negro, como a Rede Afro Meninas Mahin, e promove a ocupação do espaço público, como o Largo do Rosário e o Centro Cultural Penha. E, quanto à tecnologia social, a festa contribui para o desenvolvimento comunitário, tornando a igreja um espaço de segurança, representatividade, pertencimento, afeto e contato com o sagrado e a ancestralidade.

Herança ancestral

A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França é um patrimônio vivo da cultura popular e afro-brasileira que resiste até nossos dias, construída pela antiga Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, descendentes africanos mantidos em regime de escravidão durante o século XVIII no Brasil.

Tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat – Resolução n. 23/1982) e pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp – Resolução n. 05/1991), a Igreja do Rosário é localizada na colina onde se formou o bairro da Penha de França, região identificada por vários estudos como local de pouso de sertanistas e tropeiros que viajavam, principalmente, em direção ao Rio de Janeiro, a Minas Gerais e ao centro de São Paulo nos séculos XVI ao XIX.

Antes da chegada dos europeus, essa região também fazia parte de antigos caminhos indígenas conhecidos pelos povos Guarus e Guaianás, por exemplo. Assim, índios, negros e brancos circulavam na região, revelando uma rede de comunicação entre regiões e aldeamentos, como São Miguel de Ururay e N. Sra. da Conceição de Guarulhos, do lado esquerdo do Rio Tietê.

A Igreja do Rosário teve duas irmandades: a de N. Sra. do Rosário e a de São Benedito. Ambas foram extintas em diferentes momentos, no final dos oitocentos e na década de 1960, respectivamente. Essas irmandades foram imprescindíveis para a construção de espaços de sociabilidade, a assistência e a garantia de um enterro digno a seus membros. Além disso, foi nesses espaços que se vivenciou e preservou muito das culturas, dos valores, das estéticas e das linguagens dos povos africanos da diáspora.

No final do século XIX, a Igreja Católica, impactada pelas mudanças sociais, econômicas e políticas no Brasil, como a formação do Estado laico com a Proclamação da República em novembro de 1889, passou a investir no enfraquecimento e no controle das Irmandades pretas.

Esse período iniciou-se com o Concílio Vaticano I do Papa Pio X em 1869 e ficou conhecido como “Romanização”, culminando com a determinação de novos papéis às irmandades leigas e a chegada de novas associações católicas com a missão de “romanizar” o “catolicismo popular” entremeado da presença cultural e do protagonismo de negros e índios em todo o território nacional.

Com isso, a Igreja do Rosário passou por um hiato que foi da extinção da Irmandade de São Benedito na década de 1960 até 2000. Nesse período, a igreja passou a ser ocupada como local de armazenamento de ex-votos e para a execução de ações filantrópicas. Perdeu móveis, imagens de santos, teve seu espaço interno alterado com fechamentos e divisórias falsas, perdendo inclusive sua identidade como espaço sagrado, recuperado posteriormente com a instalação do sacrário e com as ações religiosas da Comunidade do Rosário.

O Largo do Rosário, por sua vez, foi utilizado como estacionamento de carros até os anos 1980. Com base nos registros de documentos de memorialistas como Hedemir Linguitte, provavelmente a Igreja do Rosário não foi derrubada por conta do processo de tombamento iniciado em 1979 e concluído em 1982 pelo Condephaat.

Posteriormente, a área de entorno foi objeto de fiscalização dos citados órgãos patrimoniais, agora ampliada com o tombamento do Outeiro da Penha em 2018 (Resolução n. 013/2018 – Departamento do Patrimônio Histórico).

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